Tratamentos para Infertilidade
Após a correcta avaliação clínica e laboratorial de um casal – e considerando também aspectos tão importantes como a idade da mulher, o tempo de infertilidade e os antecedentes pessoais e familiares, havendo uma perspectiva minimamente consistente de sucesso através de uma metodologia mais simples, mais fisiológica e menos intervencionista, deverá ser esta a eleita para uma primeira abordagem terapêutica.
A forma mais simples da intervenção terapêutica é a Estimulação da Ovulação, em que a doente é submetida a uma estimulação hormonal suave dos ovários, normalmente com a hormona folículo-estimulante (FSH), através de injecções subcutâneas (permitem uma aprendizagem fácil, de tal modo que, frequentemente, é a própria senhora ou o marido que fazem a respectiva aplicação, o que tem a vantagem de proporcionar uma desejável autonomia). A resposta dos ovários a esta estimulação hormonal deve ser controlada, nomeadamente por ecografia (monitorização ecográfica), de modo a ajustar a dosagem do medicamento e a definir o dia em que irá ocorrer a ovulação, o que permitirá esclarecer o casal relativamente aos períodos mais indicados para terem relações sexuais. O número de ciclos em que é correcto proceder a este método é variável, dependendo da resposta ovárica obtida e dos muitos factores que envolvem a infertilidade do casal, podendo ser tão correcto fazer apenas uma estimulação, como ir até às seis, sendo o limite definido individualmente, em cada caso concreto. Se a indução da ovulação não permitir alcançar a gravidez, ou se o estudo realizado ao casal não legitimar a tentativa de resolver o problema da forma mais simples, estará indicado o recurso à Reprodução Medicamente Assistida: inseminação artificial intra-uterina, fertilização in vitro e fertilização in vitro com microinjecção intracitoplasmática. A escolha da técnica a realizar tem também em conta os princípios gerais já enunciados, o que significa que, sempre que a probabilidade de sucesso seja minimamente consistente, a inseminação intra-uterina será o primeiro patamar a percorrer. As técnicas mais intervencionistas – a fertilização in vitro e a microinjecção intracitoplasmática -deverão situar-se no limite da intervenção médica: apenas quando os métodos mais simples não resolveram o problema, ou se do estudo realizado ao casal resultou a conclusão de que a sua aplicação é a única atitude medicamente correcta face à gravidade dos factores de infertilidade presentes.
Um breve olhar histórico conduz-nos a 1770 (Londres), quando John Hunter realizou a primeira inseminação artificial intraconjugal, e a 1884 (Filadélfia), altura em que Pancoast iniciou a prática da inseminação artificial com esperma de dador. Estes métodos, de carácter rudimentar porque traduziram apenas uma manipulação do esperma total e não dos espermatozóides, deram origem à metodologia contemporânea, em que é realizada a lavagem e a capacitação dos espermatozóides, com a sua posterior introdução na cavidade uterina -Inseminação Artificial Intra-uterina. A inseminação intraconjugal tem indicações ainda indiscutivelmente actuais: malformações do pénis, impotência, vaginismo, ejaculação retrógrada, volume de esperma muito reduzido, alterações moderadas do número, da morfologia e da motilidade dos espermatozóides, formação de anticorpos antiespermatozóides, muco cervical hostil e infertilidade de causa desconhecida.
A perspectiva de sucesso da inseminação artificial é de 10%-15% por ciclo, probabilidade que não constitui mais do que um valor de referência, já que é inevitavelmente influenciada pela individualidade de cada situação de infertilidade conjugal.
Esta individualidade obriga a que o limite máximo de ciclos a realizar deverá ser definido individualmente, rondando os três-quatro.
A taxa de gravidez gemelar não ultrapassa, normalmente, os 10%-15%. A gravidez tripla é rara (inferior a 1%). A definição do dia em que se deve realizar a inseminação intra-uterina resulta da mesma metodologia referida para a estimulação da ovulação, nomeadamente a monitorização ecográfica. No dia em que ocorrer a ovulação, o marido deverá fazer uma colheita de esperma para, após a respectiva preparação, os espermatozóides serem colocados na cavidade uterina. Esta introdução é realizada com uma sonda (cateter) fina, tem uma curta duração e é indolor, não requerendo qualquer sedação. As senhoras permanecem deitadas cerca de meia hora, após o que podem regressar à sua actividade normal, habitualmente medicadas com uma progesterona (de aplicação intravaginal), para além do ácido fólico.
Passadas cerca de três semanas, se a menstruação não tiver ocorrido, deve ser recolhida uma amostra de urina para realizar um teste de gravidez. A inseminação artificial com espermatozóides de dador tem actualmente indicações muito mais restritas do que até meados da década de 90, uma vez que um enorme número de situações que conduziam à sua aplicação, como a azoospermia de causa obstrutiva, muitas das azoospermias secretoras (em que a ausência de espermatozóides no esperma não tem como causa uma obstrução à sua passagem mas uma patologia que atinge os testículos) e as anomalias graves ou muito graves do número, da morfologia e da motilidade dos espermatozóides, tem, desde então, uma consistente via de solução através da microinjecção intracitoplasmática. As actuais indicações da inseminação artificial com espermatozóides de dador circunscrevem-se fundamentalmente às azoospermias secretoras (quando a biopsia testicular múltipla não permitiu encontrar espermatozóides ou espermatídeos – células que, após diferenciação, dão origem aos espermatozóides), às doenças génicas (para as quais não é possível fazer diagnóstico genético pré-implantação ou diagnóstico pré-natal) e às situações de azoospermia consequentes ao tratamento cirúrgico, citostático ou com radiações ionizantes de neoplasias malignas, em que não foi realizada previamente crioconservação do esperma em azoto líquido. A grande motivação da Fertilização In Vitro (FIV) foi ultrapassar a impossibilidade de engravidar devido à obstrução ou à ausência bilateral das trompas. Rapidamente, a prática da FIV estendeu-se a outras indicações de carácter ginecológico, incluindo a insuficiência ovárica prematura (“menopausa precoce”) -em que a única solução médica para a resolução da infertilidade é a doação de ovócitos com a consequente fertilização in vitro – e também a situações em que a infertilidade era causada por alterações moderadas do número, da morfologia ou da motilidade dos espermatozóides. Todavia, esta técnica não demonstrou capacidade para resolver os numerosíssimos casos em que estas alterações assumiam um carácter de significativa gravidade. Neste contexto de incapacidade, surgiu a Microinjecção Intracitoplasmática -injecção, sob controlo microscópico, de um único espermatozóide no interior do ovócito (ICSI: Intracytoplasmic Sperm Injection) -, que tem proporcionado a resolução de muitas situações de:
- Anomalias graves ou muito graves do número, da morfologia ou da motilidade dos espermatozóides.
- Fertilização in vitro anterior com uma taxa de fecundação nula ou muito baixa.
- Alterações morfológicas dos ovócitos, concretamente ao nível da zona pelúcida (revestimento do ovócito).
- Azoospermia obstrutiva.
A colheita dos espermatozóides é feita por biopsia testicular ou por aspiração com uma agulha – realizada ao nível dos epidídimos (“novelos” de tubos que se encontram à saída dos testículos) ou dos testículos.
A biopsia testicular é realizada com anestesia local. E, em regra, bem tolerada, demorando cerca de 20 minutos por testículo. Em caso de hipersensibilidade do doente, é possível recorrer a uma sedação (necessária muito raramente).
Os fragmentos de tecido, de 1-2 mm, são colhidos em zonas diferentes do testículo e imediatamente observados ao microscópio, terminando a biopsia mal se encontrem espermatozóides ou espermatídeos. O potencial fecundante dos espermatozóides congelados, obtidos directamente dos testículos ou dos epidídimos, faz com que a sua crioconservação, em azoto líquido, seja uma prática de rotina para uma eventual utilização posterior. A repetição da biopsia testicular antes de decorridos seis meses pode diminuir a possibilidade de colheita dos espermatozóides e aumenta o risco de desvascularizar de forma permanente algumas áreas testiculares. – Azoospermia secretora. Os doentes com azoospermia secretora, identificada por biopsia testicular diagnostica, podem ser submetidos a uma biopsia testicular bilateral múltipla, com o objectivo de encontrar um ou mais focos de espermatídeos ou de espermatozóides. De facto, são muitas as situações em que, após uma primeira biopsia testicular de diagnóstico, em que a retirada de dois ou três fragmentos de testículo não permitiu encontrar qualquer espermatídeo ou espermatozóide, a realização posterior de uma biopsia testicular com a colheita de múltiplos pequenos fragmentos (o número é variável, nomeadamente em função do volume testicular, podendo atingir 15 ou mais fragmentos em cada testículo) pode permitir a obtenção de espermatídeos ou espermatozóides. Esta frequente não-coincidência entre estas duas biópsias tem como justificação o facto de a massa testicular não ser invariavelmente homogénea no seu conteúdo, podendo a maioria do testículo ser um deserto relativamente às células germinativas mas existirem focos de produção destas células no tecido restante.
E importante referir que, apesar de os estudos clínico, imagiológico, hormonal e genético constituírem elementos de grande relevo na avaliação global da azoospermia, a “prova-dos-nove” continua a ser a biopsia testicular. O conhecimento rigoroso desta realidade e a persistência, imprescindível para uma pesquisa que pode durar muitas horas, têm permitido encontrar espermatozóides em casos anteriormente declarados como “impossíveis”, como é exemplo a síndrome de Klinefelter (cariótipo 47,XXY, quase sempre com azoospermia), em que esta pesquisa tem sucesso em cerca de 40% dos casos. Apesar de todo este potencial, a azoospermia secretora está associada a um risco significativo de não se encontrarem espermatídeos ou espermatozóides na biopsia testicular múltipla, pelo que os casais são esclarecidos sobre a alternativa da inseminação artificial ou fertilização in vitro com espermatozóides de dador.
– Ejaculação retrógrada.
Nestes casos, o esperma não se exterioriza mas vai para a bexiga; os espermatozóides são recolhidos na urina, através de micção após masturbação.
– Anejaculação.
A ausência de ejaculação pode ser de causa psicogénica ou por lesão da medula (caso dos paraplégicos) ou dos nervos periféricos pélvicos, em consequência de uma cirurgia oncológica ou de doenças neurodegenerativas e neurovasculares (ex: diabetes).
A colheita do esperma pode ser feita por estimulação eléctrica da ejaculação, através de uma sonda endo-rectal. Todavia, a qualidade dos espermatozóides obtidos com estimulação eléctrica endo-rectal é, em regra, baixa, com alterações graves ou muito graves do número, da morfologia ou da motilidade, devido à própria electroejaculação ou à doença subjacente, não existindo condições minimamente satisfatórias para a realização da inseminação artificial ou da fertilização in vitro, pelo que se recorre à microinjecção intracitoplasmática.
De facto, nas situações em que a colheita do esperma dos doentes com anejaculação é realizada com electroestimulação endo-rectal, a microinjecção intracitoplasmática é, muito provavelmente, o tratamento de eleição, pela sua eficácia indiscutível e pela vantagem adicional de, exigindo apenas um pequeno número de espermatozóides, permitir a congelação em azoto líquido do esperma restante, em múltiplas fracções, o que evitará a necessidade de repetir a electroejaculação.
No caso de insucesso da colheita por estimulação eléctrica endo-rectal ou se a qualidade dos espermatozóides assim obtidos é nitidamente baixa, deverá realizar-se a biopsia testicular. – Portadores do vírus da imunodeficiência humana (VIH positivos), ou portadores do vírus da hepatite B ou C. A microinjecção intracitoplasmática é realizada com os espermatozóides previamente crioconservados em azoto líquido, após a respectiva “lavagem” e preparação, e só após a confirmação da não-detecção dos vírus por estudos de biologia molecular.
Para a realização da fertilização in vitrò, com ou sem microinjecção intracitoplasmática, é necessária uma estimulação ovárica mais intensa, também com injecções subcutâneas, com os respectivos controlo ecográfico e doseamento hormonal sanguíneo, que têm como objectivo ajustar as doses dos medicamentos, evitar os efeitos secundários e definir o dia mais aconselhado para a colheita dos ovócitos (designada de punção folicular). A punção folicular é antecedida, cerca de 35-36 horas, por uma injecção de gonadotrofma coriónica, para a maturação ovocitária. O conteúdo folicular é aspirado, sob controlo ecográfico (ecografia transvaginal), procedendo-se imediatamente à identificação microscópica do número de ovócitos – pois é frequente não corresponder ao número de folículos aspirados – e à sua caracterização, nomeadamente as suas integridade e maturidade. A punção é realizada com sedação, de modo a ser totalmente indolor (esta sedação exige um jejum de seis horas). A doente permanece deitada cerca de duas horas. Após a identificação da existência de ovócitos, o marido faz a colheita do esperma.
Em função da circunstância concreta de cada caso, anteriormente explicada aos doentes e por eles aceite, cerca de 4-6 horas após a colheita dos ovócitos, procede-se à fertilização in vitro (em que I volta de cada ovócito são colocados cerca de 50 000 espermatozóides com motilidade progressiva rápida) ou à microinjecção intracitoplasmática (em que um espermatozóide é injectado no interior de cada ovócito). Esta é a diferença essencial entre estes dois métodos, decorrendo os restantes procedimentos clínicos e laboratoriais de forma semelhante. Decorridas cerca de 16-18 horas, todos os ovócitos são observados com o objectivo de identificar a respectiva fecundação. Em média, 70%-75% dos ovócitos fecundam, os quais, na sua esmagadora maioria, chegam a embrião. O número de ovócitos, a taxa de fecundação, o número e a qualidade dos embriões obtidos são significativamente variáveis, consequência óbvia da situação única de cada casal. A cultura dos ovócitos, espermatozóides e embriões realiza-se em várias incubadoras, programadas para manter uma temperatura estável de 37°C e uma atmosfera de 5% de oxigénio, 5% de dióxido de carbono e 90% de azoto.
A transferência dos embriões para a cavidade uterina pode realizar-se dois a cinco dias após a colheita dos ovócitos, dependendo de vários factores, nomeadamente da perspectiva do número de embriões a obter, da sua dinâmica de desenvolvimento e da sua integridade estrutural.
A este respeito, a linha de orientação seguida pela minha equipa é, sempre que os factores citados o permitam, fazer a cultura prolongada dos embriões, para uma melhor caracterização e identificação dos que terão uma maior probabilidade de implantação. Em alguns casos, de acordo com critérios internacionais, antes da transferência embrionária, realiza-se a eclosão assistida (assisted hatching), que consiste na abertura de um pequeno orifício no invólucro de cada embrião (zona pelúcida), com o objectivo de facilitar a exteriorização do embrião e a sua implantação uterina. A transferência é um procedimento breve e indolor, pelo que não é necessária qualquer sedação. Os embriões são colocados no interior do útero através de uma sonda, sob controlo ecográfico (para este efeito, é útil a bexiga estar cheia). Imediatamente após a transferência, a sonda é observada à lupa para confirmar que não há qualquer embrião retido.
A doente permanece deitada durante 20-30 minutos, podendo seguidamente regressar a casa (apesar de estarem na cavidade uterina, os embriões não caem para o exterior porque a cavidade uterina é virtual, ou seja, as paredes tocam-se, não deixando sair os embriões).
Por uma questão de “bom senso”, muito mais do que por argumentos científicos, aconselha-se repouso (relativo), em casa, durante cerca de cinco dias, sugerindo-se também que, para além destes dias iniciais, as senhoras mantenham uma actividade física moderada.
É de referir que estas recomendações não constituem normas unânimes, havendo muitos centros cuja posição é de levantar as pacientes logo após a transferência e de as orientar para uma vida normal. Para além da manutenção do ácido fólico, a regra terapêutica inclui a introdução vaginal de progesterona com o objectivo de manter um bom ambiente uterino, isto é, uma boa receptividade do endométrio à chegada do embrião.
Cerca de 12 dias após a transferência, deve ser realizado um teste de gravidez (doseamento sanguíneo da fíhCG). No caso de diagnóstico bioquímico de gravidez (fíhCG igual ou superior a 20), cerca de duas semanas depois far-se-á a confirmação ecográfica, cujo objectivo é o diagnóstico de gravidez clínica (confirmação da presença de um embrião) e a identificação do número de embriões presentes na cavidade uterina.
O número de embriões a transferir é variável em função de vários parâmetros, como a idade da mulher, a qualidade estrutural e a dinâmica de desenvolvimento dos embriões. De uma forma geral, salvaguardando as modificações resultantes da individualidade de cada caso, um critério que me parece equilibrado para aplicar em Portugal, face à respectiva realidade socioeconómica, é de transferir um a dois embriões em mulheres até aos 39 anos e três embriões após esta idade. A ideia-base e fundamental é estabelecer o maior paralelismo possível entre a maior taxa de sucesso e o menor risco de gravidez gemelar, sem colocar significativamente em causa o sucesso do tratamento. Com este critério, a probabilidade de gravidez clínica por ciclo poderá ser de 30°/o-40% para a ICSI e de 40%-50°/o para a FIV, sendo a frequência de gravidez gemelar de cerca de 25% e a de gravidez tripla inferior a l%-2%. A maior probabilidade de sucesso com a FIV, apesar de ser uma técnica menos avançada do que a ICSI, tem a ver com o facto de se aplicar nas situações de menor gravidade (nomeadamente de factores masculinos), pelo que a qualidade e a consequente capacidade de implantação e de evolução dos embriões serão também maiores.
Na esmagadora maioria das situações, a gemelaridade é dizigótica, o que significa que os gémeos resultam da implantação de mais do que um dos embriões transferidos para o útero (estes gémeos podem ser tão diferentes como irmãos nascidos com anos de intervalo, sendo popularmente designados de gémeos “falsos”); em situações raras, habitualmente inferiores a 1% das gravidezes, os gémeos podem resultar da divisão em dois de um mesmo embrião, quase sempre nos primeiros cinco dias de desenvolvimento: são os designados gémeos monozigóticos, vulgarmente conhecidos como “verdadeiros” pela sua aparência idêntica.
Nos casos em que, para além dos embriões transferidos para a cavidade uterina, existirem embriões cuja caracterização morfológica traduza viabilidade, é possível fazer a respectiva crioconservação em azoto líquido (congelação a 196° negativos). A vantagem deste procedimento é permitir uma nova tentativa de gravidez de um modo muito menos intervencionista. Todavia, é de referir que, com uma metodologia em que se privilegia a cultura dos embriões até ao 3.°, 4.° ou 5.° dia de desenvolvimento in vitro, na maioria das situações não se identificará embriões com qualidade suficiente para crioconservar. Esta avaliação criteriosa é importante, já que mesmo os embriões com uma boa qualidade aparente degeneram com uma frequência de cerca de 30%, no decurso do processo de congelação/descongelação, pelo que não seria legítimo congelar embriões já com sinais de inviabilidade, criando nos casais uma expectativa inconsistente. A definição do prognóstico de alcançar uma gravidez – obviamente muito influenciada pela qualidade do trabalho realizado no respectivo centro onde o tratamento é realizado, mas também pelos factores tão numerosos que rodeiam cada situação de infertilidade – pode situar-se na referida probabilidade de êxito por cada ciclo, mas também pode considerar-se uma taxa cumulativa de sucesso, isto é, a probabilidade de ocorrência de gravidez após 4-5 tratamentos, a qual, pelos motivos já suficientemente assinalados, pode atingir valores variáveis, incluindo uma perspectiva superior a 80%.
Apesar de cerca de 90%-95% dos tratamentos de fertilização in vitro, com ou sem microinjecção intracitoplasmática, permitirem a transferência de embriões, há ciclos em que a punção de vários folículos, com dimensões suficientes para a correspondente existência de ovócitos, não proporciona a recolha de qualquer ovócito (as ecografias não permitem visualizar os ovócitos, pois estes são de tamanho microscópico). Há também casos em que é necessário proceder ao cancelamento do ciclo, devido a uma má resposta ovárica (número de folículos escasso ou nulo) ou a uma resposta excessiva (hiperestimulação ovárica) e há situações em que não se obtém qualquer embrião com viabilidade suficiente para a respectiva transferência embrionária.
O número-limite de tratamentos que é possível fazer é uma pergunta recorrentemente feita pelos casais. A resposta imediata deverá ser a de que o limite é estabelecido pela análise, o mais objectiva possível, dos vários parâmetros, clínicos e laboratoriais, decorrentes de cada passo do tratamento (resposta ovárica, número e qualidade dos ovócitos, caracterização embrionária…). A grande variabilidade das situações faz com que seja igualmente correcto realizar cinco ou mais tratamentos, como fazer dois e não ser aceitável continuar. Há situações em que, apesar da pressão exercida pelo casal no sentido de prosseguir, resultante da sua grande ansiedade e até angústia, o médico deve explicar-lhes que é preciso “saber parar”, desde que a análise da situação resulte na conclusão de que a probabilidade de vir a ter sucesso não é minimamente consistente. A intervenção terapêutica da microinjecção intracitoplasmática assume um relevo inquestionável, por constituir a concretização do que esteve, até há pouco tempo, no domínio da utopia. Todavia, a sua indicação deve ser muito criteriosamente definida, evitando que a sua fantástica capacidade de resolver situações gravíssimas condicione uma tendência precipitada e imprudente à sua prática generalizada.
A nível mundial, realizar-se-á anualmente cerca de um milhão de ciclos de fertilização in vitro ou de microinjecção intracitoplasmática. Nos países “desenvolvidos”, as crianças nascidas em consequência destas metodologias de reprodução medicamente assistida constituem l%-4% do número global de recém-nascidos.
De uma forma maioritariamente consensual, considera-se que a frequência de malformações congénitas nos recém–nascidos resultantes da fertilização in vitro, com ou sem microinjecção intracitoplasmática, é semelhante à observada na população geral. A frequência dos abortamentos espontâneos é semelhante à observada na população geral (cerca de 15% das gestações diagnosticadas), existindo também o risco de 2% de ocorrer uma gravidez ectópica (gestação fora da cavidade uterina, quase sempre na trompa). Antes de iniciar um ciclo de FIV ou ICSI está indicado realizar o cariótipo aos dois membros do casal, bem como o estudo molecular do cromossoma Y (nos casos de diminuição grave do número de espermatozóides ou azoospermia secretora) ou da fibrose cística (na azoospermia obstrutiva), com o objectivo de identificar uma eventual infertilidade de causa genética para o consequente aconselhamento genético. O aconselhamento genético do casal deve incluir a abordagem das indicações e riscos do diagnóstico pré-natal. A gestação deve ser considerada de alto risco, não só por ter sido alcançada com alta tecnologia mas, porventura sobretudo, atendendo à infertilidade subjacente, pelo que a monitorização fetal assume um relevo ainda mais significativo, nomeadamente através do rastreio bioquímico e ecográfico. O resultado deste rastreio pode constituir um elemento muito importante na decisão de realizar o diagnóstico pré-natal (em regra, por amniocentese, para o diagnóstico da constituição cromossómica do feto).
Após o diagnóstico de gravidez, as senhoras deverão regressar ao respectivo médico assistente para ser este a orientar toda a gestação. Os casais levam uma folha de “informação do nascimento”, que deverão entregar com o registo das circunstâncias do parto e das características do recém-nascido. Deve solicitar-se também ao casal que informe o centro sobre qualquer elemento relevante, a curto, médio ou longo prazos, relativo ao desenvolvimento físico e psicomotor da criança.
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